4.1.09

Penélope tocia e botava a mão na boca
Definitivamente não estava acostumada a fumar
O drink que carregava era violeta e
prometia te deixar igual ao Bóris Iéltsin

A banda tocava muito alto
todo aquele problema com a rapaziada mais nova
e seus cabelos pareciam pegar fogo
e suas roupas pareciam não se importar
tinham xingamentos cravados na carne
não era nem uma reação
era um mundo novo

Quando o balé russo começou
devo admitir
minha paciência já tava fudida
e minhas idéias misturadas
juntei forças apenas pra me levantar
e lançar um vai pra puta que pariu
à distância

os rapazes pensaram ouvir uma reprovação pública
a sua algazarra patrocinada pelos pais
e iniciaram uma desproporcional revanche
depois de bater na parede do bar onde fechava a conta
e derrubar uma garrafa de cachaça
uma guitarra stratocaster
apagou meu baseado
não sei explicar ao certo
simplesmente minha nuca arrepiou

Penélope agora estava como Stalin
Apontando criminosamente em minha direção
E um exército impúbere prometia me espatifar
No chão sagrado de um boteco sujo

Do fundo do bar, coçando o saco e vomitando asneiras e indecências
O velho Magnus aparece com o cão Cérbero
E com o seu riso provocador diz que já rodou o mundo inteiro
E não vai ser aqui que vai deixar silenciar um coração deserdado

2.1.09

Ela desviou o olhar, era assim sempre que estava com os dentes apertados
Eu abaixei, da última vez tive que desviar de objetos voadores
Até que Evelin entrou com uma cumbuca na mão pedindo esmola
E gritando: eu acredito na maximização dos lucros.
Arrancando aplausos de uma extirpe bem particular de gente

Só deu tempo de coçar a cabeça e ter que apagar Ítalo, seu irmão mais novo,
Com um soco no meio de sua fuça
Ela e Evelin tiveram ganas de quebrar conjunturas astrais
E me jogar para o limbo de onde estavam acostumadas
Ei, ei, calma aí, mocinhas, a vida às vezes simplesmente não te deixa em paz
Eu disse
No que elas concordaram positivamente abanando as cabeças
Então, pera lá, que diabos você está fazendo com a camisa do Che Guevara?
Cutucou-me Evelin, de saco cheio, quer dizer, vazio, por que ninguém
Dera-lhe moedas perdidas nos bolsos das calças

Pro inferno com sua guitarra mal tocada, estou cansada de você
Os dentes apertados e desviando o olhar e plantando minas terrestres
Em terrenos baldios de subúrbios

Eu desisto, eu desisto, eu disse, enquanto apenas via à distância
Evelin contando trocados pra mais uma dose de crédito avulso
Ela esfrega as moedas pelo corpo e sente arrepios lhe correr a espinha
Apenas eu acho isso um espetáculo deplorável

Devia ser aniversário de alguém, aquela porra que estavam cantando
Era parabéns pra você
Eu não posso atrapalhar uma festa de aniversário, eu pensei comigo
Cochichei em seu ouvido, eu nunca mais olharei em seus olhos
E joguei uma moedinha com toda minha força em direção à Evelin
Eu na esperança de lhe acertar em cheio e ela pega a moeda no ar
E acena agradecidamente
Eu sou mesmo um desastre, eu penso desanimado
Meu amor, agora longe, apenas dissimula uma ou duas lágrimas ocasionais
De repente, o trafego envolve a todos como um castigo divino
E a chuva ondula sons que eu jamais esquecerei

1.1.09

Esperava, esperava, me desesperava
Quem me reconheceu me olhou nos olhos
Serpentes endiabradas rondando meus gestos
Você me venderia a guitarra de kurt cobain
Mas não me mataria mais

Na mão esquerda, oferecendo uma enésima parte de oferenda alheia,
Desce sua mãe e os da sua extirpe,
Lado a lado, perfeita simetria

Eu sempre amei a matemática e nunca fui de me levar a sério
O que me levava a não querer nada e me dar bem com tudo
Ta vendo, algo que se consegue entender;
Matemática.

seu pai antes de morrer fez questão de me maldizer para os vizinhos
ele nunca se importou, foram suas últimas palavras
mas porra, ele sequer conseguia distinguir monk de ellington
eu já estava cansado por demais de espremer entre os dedos
os gomos de vida enlatada

fiz a coisa errada, posso sentir você dizendo pelo telefone
que se foda, se quer ouvir desaforo e pagar por isso ligue a tv
a pedra verde pode trazer felicidade
e um carro melhor pode te levar pro topo

ah, sim, você vai rasgar sua própria carne
em busca de alguma verdade

17.9.08

duas da manhã

As duas da manhã, Isadora era a única que conseguiu supor meus limites e o cansaço de alguém desistindo de segurar o peso do mundo sobre as frágeis costas. Mas ela me apresentava uma alternativa ao descaso, estupidez e incompreensão humanas. Ela era o farol que iluminava a rota dos barcos perdidos, sem rumo e à deriva. Ela era uma faroleira inexata das rotas constantes. Viver era a única constante. A vida era a única coisa que não se podia descuidar.
As duas da manhã ela me abraça com suas pernas de entregas incondicionais, eu repetia seu nome para ter certeza que ela existia. Isadora. Isadora. Pra onde você vai? Se ao menos tanta coisa que vivia na cidade não evaporasse assim, tão sem indícios, agora que estou diante dela nesta cama improvisada, poderia até cogitar voltar a viver como vivia. Todas as drogas, ausência de limites, bebidas e amores poderiam levar homens bons à ruína, mas nunca a voracidade e o hedonismo envergonhado dos habitantes da cidade conseguiram transpor as barreiras de minha dignidade genética. A força que carregava do mundo anterior ainda brilhava suas tímidas e moribundas chamas em mim. Isadora era única pessoa daquele Império das Possibilidades que parecia acompanhar meus cacoetes de mundos perdidos.
As duas da manhã a pergunto quantas rainhas destronadas já foste. Ela sabia do que falava. Eu sabia do que ela aprendeu. Ela ajeita-se, apenas uma menina, nua, sob a fuligem daquela máquina divina que produz o amor e seus derivados. Eu era apenas um menino, cansado de ver o mundo fazer o que quisesse da humanidade, sem resistências, sem obstáculos, que espetáculo triste de se ver. E a vida sempre sendo tão doce quando surgia frágil e desamparada por entre os muros de segurança e antenas da Cidade Sem Sol.
As duas horas da manhã eu soube que a vida passa depressa demais, e que qualquer dia é um bom dia para morrer dependendo do que você faz. Era tão difícil garimpar esses ouros pelos asfaltos gastos e calçadas surradas, poeira esfumaçada, tudo tão estático e automático, desta cidade vampira.
A boca de Isadora tem gosto de verdade e entrega, seus seios eram minha terra prometida, olhos que me aprisionavam num complexo jogo de atenção e entendimento, sexo de paraíso definitivo. Nada neste mundo era mais bonito que seu rosto quando estava gozando.

1.8.08

de certa forma ela adivinhava como agir comigo; calma, transparência e o melhor de tudo, inexatidão. ia retirando suavemente camadas e camadas de passados remotos, exatamente como restauradora de imagens antigas. e daí se o que fosse perdido fosse para sempre? tinha-a alí, debruçada sobre mim, calculando sem cuidado equações imaginárias, sorvendo sofregamente meus juizos secretos e impróprios, limitando o alcance da razão, pondo fogo em minhas têmporas e em meu peito. deslizando lentamente seu mel em doses diárias, rejeitando minhas virtudes atrasadas, querendo apenas aquele riso fugido, sem ordem. meu sono precário a embalava, turbante de silêncios coloridos, e saber não se sabia quem era o último a ceder.
a grama verde substituiu o chão de vidros picados, o céu de chumbo abriu-se em suaves marteladas.

13.7.08

isadora

Preocupava Isadora minha delicadeza espartana, eu era direto e dócil, uma brusca busca por caminhos próprios. Ela acarinhava meus cabelos desgrenhados dizendo que poderia ser belo caso quisesse, puro se deixassem e bruto se necessário. Ela via por entre os olhos da máscara, me nudificava e me tornava elementar. Ela mesma, Isadora como eu a chamava, suplicante como ela queria, percorria todos os caminhos possíveis para se certificar dos errados. Deliciava-se com a penumbra em meu olhar quando, anestesiado por seus caridosos entorpecentes, tombava em seu colo nu e febril e não dizia nada além de “você, Isadora, cuidado com meu coração”. Tinha a força de um mantra as poucas palavras que dizia. Força maior, mais criativa e destruidora, tinha o meu silêncio e o entendimento que ele trazia. “Abaixo a verborragia”, era o nosso brinde usual antes de iniciarmos nosso ritual particular de auto destruição, música e amor. Isadora tinha meu coração entre os dedos, e nunca viver foi tão perigoso.
Era uma estrada sem mão definida, as colisões eram freqüentes e espantosas. Escorria pelas mãos mal estar, exatidão e marcas deveras definitivas. Ela era a rainha de minhas vírgulas, dispondo-as ao seu bel prazer, sem nenhuma ordem, consideração ou astúcia. Isso amava em Isadora, tua força e nobreza, só sabia o que não queria e me elogiava ao me atribuir, pelo menos isso, sentido. Não como marionete, não isso, mas como a um personagem secundário que se ama demais para se aceitar sua sina. Isadora era minha autora e por isso eu permitia, como um personagem absolutamente impotente, teu poder sobre mim.

28.6.08

O amor nascia de luzes apagadas, era quase dia e nada importava.

Era o herdeiro de um tesouro muito antigo. A história entranhara-se em mim. Eu era a história da cidade, aquela que todos queriam esquecer pois doía saber. Meus passos desvendavam os mistérios dos abismos insondáveis, meus olhares se lançavam para longe, para onde os olhares se escondem, minhas palavras publicavam verdades ao vento. A Cidade Sem Sol não gosta de ter seus segredos violados. E mesmo quando procurar é o antídoto contra o vazio suposto, a decepção pode ser maior que o cansaço. Do horizonte da Sombra encarnada enxergava-se apenas o vazio suposto de uma ausência de sol. O maior dos astros. E de todos os lados, as ruínas do mundo se entulhavam. A Cidade Sem Sol era, vejam bem, a última fronteira da humanidade partilhada. Mas a cidade conhecia o amor, dessas infelizes coincidências que não se pode chamar de outro nome que não ironia. Desmanchava-me aos pés de Leonora. O amor era uma herança ancestral, eu o havia herdado.
A amor acomete como uma doença faz. Entorpece, fere e acalma. Até a estranha simetria das torres, com a ousadia de dedos humanos apontando para deus, levavam-me a um grau mais incontido de entrega a Leonora. Não havia razão que regrasse, que pusesse termos, que auxiliasse no precário retorno a casa. Era sempre o lar dos sem lares, a cidade sem sol dos solares.